Partenogênese: É possível nascimento virgem em humanos?
FONTE: https://www.saberatualizado.com.br/2018/10/partenogenese-e-as-maes-virgens.html
ACESSO 29 outubro de 2024
Partenogênese: É possível nascimento virgem em humanos?
Apesar de uma 'Virgem Maria' não ter sido encontrada ainda entre os mamíferos, diversas espécies no Reino Animal, incluindo pássaros e répteis, exibem uma reprodução sem a participação do macho, seja de forma facultativa, obrigatória ou acidental. Antes pensado ser apenas uma curiosidade rara entre os vertebrados, nos últimos anos os cientistas vêm mostrando que essas 'mães virgens' nos seres multicelulares mais complexos são muito frequentes mesmo no meio selvagem, com o Dragão-de-Komodo e o Tubarão-Martelo sendo os casos hoje conhecidos mais famosos. Mas será possível uma partenogênese entre humanos?
PARTENOGÊNESE
A partenogênese basicamente envolve fêmeas que depositam ovos não fertilizados capazes de gerar indivíduos, ou seja, a ocorrência de desenvolvimento embrionário sem a presença de um gameta masculino. O processo evoluiu de forma independente e recorrente a partir do sistema de reprodução sexual em vários organismos multicelulares, desde vermes até répteis. No geral, é uma estratégia de reprodução comum entre vários invertebrados.
Alguns autores definem a partenogênese como a produção de um embrião de um gameta feminino sem qualquer contribuição genética de um gameta masculino, e com ou sem o desenvolvimento de um eventual adulto. Nesse sentido, qualquer grau de desenvolvimento em ovos não fertilizados é considerado uma partenogênese. Além disso, é importante distinguir esse processo reprodutivo de outras formas assexuadas de reprodução, como a fissão e o brotamento, já que envolve os gametas femininos. A partenogênese, aliás, é frequentemente caracterizada como uma forma incompleta de reprodução sexuada.
A maioria das linhagens partenogenéticas são facultativas - ou seja, indivíduos podem se reproduzir tanto por partenogênese quanto por reprodução sexuada -, mas algumas poucas linhagens - como os rotíferos bdeloídeos, animais microscópicos que habitam ambientes de água doce - acabaram evoluindo uma partenogênese obrigatória. No último caso, no entanto, mecanismos genéticos alternados foram necessários surgir para compensar os danos no DNA se acumulando e persistindo com a menor variabilidade genética resultante do processo partenogenético. Nos vertebrados, a partenogênese ocorre naturalmente de forma facultativa e muitas vezes acidental, com raríssimas exceções onde evoluiu como um meio reprodutivo obrigatório (restrito a algumas espécies de répteis Escamados). Em geral, temos como principais
- Partenogênese obrigatória:
Modo de reprodução rara e estimado de ocorrer em apenas cerca de 100
vertebrados e 1000 espécies de vertebrados. Bons exemplos são os citados
rotíferos bdelóides, apelidados inicialmente de "escândalos
evolucionários" por terem conseguido persistir por milhões de anos mesmo
na ausência de recombinação genética. No entanto, foi eventualmente
descoberto que o processo de transferência horizontal de genes fornecia
suficiente diversificação genética nesses animais. Outros exemplos são
encontrados em cladoceranos, afídeos, carrapatos, insetos e répteis
escamados.
- Partenogênese espermatozoide-dependente:
Aqui temos um tipo obrigatório de partenogênese que ocorre quando a
fêmea/hermafrodita ainda precisa do espermatozoide do macho para iniciar
o desenvolvimento embrionário. Exemplos são encontrados em vermes
nematoides, artrópodes, anfíbios e peixes unissexuais.
- Partenogênese facultativa:
É o tipo mais comuns onde as fêmeas pode se reproduzir
partenogeneticamente e sexualmente. Evoluiu pelo menos 20 vezes de forma
independente e é estimada de ocorrer, no mínimo, em 20% de todas as
espécies de animais. Partenogênese cíclica, na qual várias gerações de
filhotes sexualmente gerados de óvulos fertilizados alternem com
filhotes reproduzidos via óvulos não-fertilizados, ocorre em mais de 15
mil espécies, como afídeos e pulgas d'água, estes os quais se reproduzem
normalmente via partenogênese em condições favoráveis e alternam para a
reprodução sexuada em condições ambientais críticas.
- Partenogênese esporádica: É a rara ocorrência de partenogênese em uma espécie cuja reprodução
sexuada é bem estabelecida. Pode ocorrer ou não quando machos estão
escassos, ou via fatores ambientais não-esperados, e exemplos são
encontrados em um vasto espectro de animais.
MECANISMOS PARTENOGENÉTICOS
Existem dois tipos de divisões celulares nos seres sexuados: mitose e meiose. Na mitose, após os cromossomos se condensarem e se duplicarem, a célula se divide para gerar duas células idênticas, possuindo cada uma o mesmo material genético e número de cromossomos. Esse tipo de divisão é generalizado na natureza, fazendo parte do sistema de reprodução dos seres procariontes e, nos multicelulares sexuados, é responsável pelo crescimento e diferenciação de tecidos.
Já na meiose, uma célula original diploide (duas cópias de cromossomo), por exemplo, dá origem a quatro células haploides (uma cópia de cada cromossomo). Esse é o processo de formação de gametas femininos e masculinos, os quais, quando se encontram, dão origem a uma célula (zigoto) diploide novamente, com essa, por sua vez, passando por sucessivas e contínuas mitoses para dar origem a um indivíduo (desenvolvimento embrionário).
Para a ocorrência da partenogênese, diversos mecanismos podem atuar no processo de formação de gametas. Em invertebrados, é comum, por exemplo, que o oócito - célula germinativa diploide sobre a qual a meiose age -, ao invés de passar pelo processo meiótico, passe a atuar como um "zigoto" de forma direta, engatilhando a formação de um embrião. Os pulgões (superfamília Aphidoidea), bichos-da-seda (ordem Lepidoptera) e as pulgas-d´água (gênero Daphnia) ilustram bem esse processo.
No entanto, entre vertebrados e invertebrados, a formação de um embrião sem a presença do gameta masculino também ocorre via diploidização das células haploides ao longo do processo meiótico. A diploidização geralmente ocorre através de três principais mecanismos citológicos:
1. Duplicação do gameta, no qual o número de cromossomos dobra após a meiose II;
2. A fusão central de dois núcleos genéticos derivados de diferentes núcleos gerados na meiose I;
3. A fusão terminal de dois núcleos derivados do mesmo núcleo gerado durante a meiose I.
Enquanto que no desenvolvimento embrionário direto a partir do oócito são gerados clones fêmeas, reduzindo drasticamente a variabilidade genética e capacidade de adaptação evolutiva ao meio, as diploidizações que ocorrem no processo mitótico podem gerar significativa variabilidade genética devido ao fenômeno de recombinação genética.
É interessante perceber que nem sempre o indivíduo gerado via partenogênese será fêmea quando o processo envolver mecanismos atuantes ao longo da meiose. Aves e alguns répteis (como a superfamília de cobras Colubroidea) possuem o sistema cromossômico sexual onde a fêmea é heterozigótica (ZW) e o macho é monozigótico (ZZ). Nos humanos, as fêmeas são monozigóticas (XX) e os machos heterozigotos (XY), por exemplo. Como nesses animais a partenogênese ocorre a partir da duplicação do gameta haploide derivado da célula diploide formada na meiose I (ou seja, contendo apenas cromossomos idênticos), os indivíduos gerados ou serão ZZ ou WW. No caso dos ZZ, estes vingarão; já a formação de um WW é letal. Em aves domésticas já ouve casos reportados de triploidismo (ZZW) resultante da fertilização de um ovo que entrou em processo partenogenético (ZZ) antes da chegada do gameta masculino (Z ou W) - e fecundação subsequente a partir deste (Ref.8).
Apesar dos cientistas ainda não entenderem muito bem todos os mecanismos e fatores que governam a ocorrência da partenogênese no Reino Animal, a diversidade de processos citológicos associados e ampla prevalência do fenômeno na natureza deixam claro que essa estratégia reprodutiva evoluiu nos seres sexuados, não representando apenas um 'acidente comum'. Isso fica ainda mais claro nas espécies onde a partenogênese é obrigatória, ou onde em um mesmo gênero ela aparece sob várias formas (obrigatória, ausente e facultativa), como no caso das famosas moscas-da-fruta (Drosophila) (Ref.9).
Para exemplificar, podemos considerar as pulgas-d´água e os pulgões. Ambos são partenogênicos facultativos, sendo que a ativação da reprodução sexuada ou assexuada depende das condições do meio. No caso das pulgas d´água, esses animais aquáticos se reproduzem via partenogênese quando as condições do meio são favoráveis, levando à geração de várias fêmeas clones para promover uma rápida expansão populacional; quando as condições não são favoráveis, com escassez de nutrientes, a reprodução passa a ser sexuada, gerando machos e fêmeas com grande variabilidade genética (Ref.10). O equilíbrio entre os dois processos reprodutivos promove um substancial aumento populacional mas sem comprometer muito a capacidade de adaptação. Já os pulgões evoluíram um sistema reprodutivo chamado de 'polifenismo', este o qual surgiu há cerca de 200 milhões de anos e se manifesta em diversas espécies de insetos. Nesse caso, o processo reprodutivo é bastante plástico, sendo que no verão as fêmeas dão origem a filhotes fêmeas clones assexuadas e estas continuam com a geração de clones; à medida que a luminosidade e a temperatura diminuem com a chegada do outono, essas fêmeas clones - também via partenogênese - passam a gerar filhotes machos e fêmeas sexuados, capazes de se acasalarem (Ref.11).
Entre os vertebrados capazes de se reproduzirem via partenogênese, como o Dragão-de-Komodo, o principal fator que ativa esse modo peculiar de reprodução é a falta de parceiros machos para o acasalamento. Mas existem também casos curiosos onde mesmo quando temos a presença de muitos machos e ambientes normais as fêmeas continuam produzindo ovos com embriões partenogenéticos (!). Nesse último caso, é mais provável que a partenogênese esteja ocorrendo de forma acidental ou induzida por fatores externos. Um exemplo bem interessante fora dos vertebrados é o bicho-da-seda domesticado (Bombyx mon), o qual pode manifestar a partenogênese via um variado espectro de estímulos sobre ovos não-fertilizados, incluindo variação da temperatura (resfriamento ou aquecimento), oxigenação, pulsos elétricos, centrifugação, excitações mecânicas específicas, exposição à luz solar (primeiro observado no ano de 1847) e tratamento com ácido sulfúrico (primeiro observado em 1886) (Ref.12).
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(!) Esse fenômeno foi recentemente observado em vertebrados: Partenogênese observada em tubarões mesmo com a presença de machos saudáveis ao redor das fêmeas
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MAS E OS MAMÍFEROS?
Como já apontado, a partenogênese é muito comum entre ordens de animais relativamente menos complexos, especialmente invertebrados. Antes de 2012, entre os vertebrados, somente exemplos de répteis Escamados em cativeiro e aves domésticas - principalmente perus e galinhas - eram conhecidos de gerarem descendentes saudáveis via partenogênese. Então, em um estudo publicado na Biology Letters, em 2012 (Ref.13), pesquisadores descreveram os primeiros casos até então conhecidos de partenogênese em meio selvagem envolvendo cobras das espécies mocassim-cabeça-de-cobre (Agkistrodon contortrix) e mocassim-d´água (Agkistrodon piscivorus) a partir de análise genética de fêmeas grávidas e dos seus filhotes. A partir daí, várias outras espécies de répteis, peixes e anfíbios foram encontrados se reproduzindo em habitat natural via partenogênese, como os Dragões-de-Komodo (!), tubarões-martelo, a jiboia-constritora e as cobras píton.
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POR QUE A PARTENOGÊNESE FACULTATIVA NÃO É MAIS DISSEMINADA?
Enquanto que a reprodução sexuada possui vantagens bem
estabelecidas, especialmente no que se refere à promoção de uma maior
diversidade genética, a partenogênese pode também possuir notáveis
vantagens seletivas, principalmente na escassez de parceiros sexuais em
cenários de drásticas reduções populacionais. Nesse sentido,
partenogênese facultativa deveria ser particularmente vantajosa, já que
as fêmeas pode produzir tanto sexualmente quanto assexualmente,
aproveitando vantagens de ambos os modos reprodutivos.
Porém, a partenogênese regular facultativa é rara e
completamente ausente nos vertebrados provavelmente por causa dos
centrossomos. Na maioria dos animais (Metazoa), o espermatozoide
contribui com o centríolo, o qual é necessário para a formação do
centrossomo no zigoto. O óvulo apenas fornece proteínas centrossômicas,
enquanto que os centríolos são degenerados antes das divisões meióticas.
A ausência de um centrossomo no oócito é pensada ser para evitar a
problemática presença de dois centrossomos no zigoto, um da mãe e o
outro do pai. Existe uma forte limitação contra a presença de mais de um
centrossomo em uma célula animal. Células recém-formadas no clado Metazoa
tipicamente possuem apenas um centrossomo, compostos de dois
centríolos, cercado por material rico em proteínas. O centrossomo é
duplicado exatamente uma vez durante o ciclo celular, durante a fase S,
para que durante a mitose existam dois centrossomos que formem um de
dois polos de fibras que segregam os cromossomos, produzindo uma
distribuição igual de cromossomos entre as células-filhas. Centrossomos
extras em uma célula impõem graves riscos, já que podem levar à formação
de múltiplos polos de fibras mitóticas, aneuploidia, suspensão do ciclo
celular, apoptose, instabilidade genômica e possivelmente câncer. Ou
seja, zigotos com dois centrossomos são esperados de serem eliminados
via seleção natural.
Além disso, para o
sucesso da restauração da ploidia a partir das células reprodutivas
haploides na ausência de cromossomos paternos, mudanças substanciais na
meiose são necessárias - um processo já altamente conservado em termos
evolutivos por envolver uma complexa orquestra de processos celulares.
Nesse sentido, conservação em todos os animais de mecanismos moleculares
específicos que agem em escalas macro-evolucionárias parecem ser
causados por uma consistente e forte seleção contra mudanças mutacionais
graças aos seus efeitos pleiotrópicos associados - em outras palavras,
mesmo pequenas mutações favorecendo partenogênese em organismos sexuados
podem deflagrar um caos nos processos de divisão celular (Ref.16).
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MAS E OS MAMÍFEROS?
Como já apontado, a partenogênese é muito comum entre ordens de animais relativamente menos complexos, especialmente invertebrados. Antes de 2012, entre os vertebrados, somente exemplos de répteis Escamados em cativeiro e aves domésticas - principalmente perus e galinhas - eram conhecidos de gerarem descendentes saudáveis via partenogênese. Então, em um estudo publicado na Biology Letters, em 2012 (Ref.13), pesquisadores descreveram os primeiros casos até então conhecidos de partenogênese em meio selvagem envolvendo cobras das espécies mocassim-cabeça-de-cobre (Agkistrodon contortrix) e mocassim-d´água (Agkistrodon piscivorus) a partir de análise genética de fêmeas grávidas e dos seus filhotes. A partir daí, várias outras espécies de répteis, peixes e anfíbios foram encontrados se reproduzindo em habitat natural via partenogênese, como os Dragões-de-Komodo (!), tubarões-martelo, a jiboia-constritora e as cobras píton.
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(!) Leitura recomendada: Afinal, os Dragões-de-Komodo são peçonhentos ou não?
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Entre exemplos mais recentes reportados e descritos na literatura acadêmica, podemos citar:
- Em 2016, no periódico Journal of Fish Biology (Ref.19), foi reportado evento de partenogênese em um tubarão fêmea da espécie Cephaloscyllium ventriosum - mantida isolada em cativeiro por 3 anos -, resultando no nascimento de 5 filhotes.
- Em 2017, no periódico PLOS ONE (Ref.20), foi reportado um evento de partenogênese em uma fêmea de anaconda-verde (Eunectes murinus),
resultando em dois filhotes fêmeas totalmente desenvolvidos e 17 ovos
no oviduto subdesenvolvidos. A cobra havia sido mantida isolada por oito
anos e dois meses no Zoológico de Ueno, Japão.
- Em 2019, no periódico PLOS ONE (Ref.21), foi reportado evento de partenogênese (pelo menos 9 filhotes) em uma fêmea do lagarto Physignathus cocincinus - popularmente conhecido como Dragão-d'água-chinês.
- Em 2020, no periódico Molecular Ecology (Ref.22), foi reportado evento de partenogênese na fêmea de um lagarto Lepidophyma smithii,
gerando filhotes tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino, e,
portanto, sugerindo um sistema heterogamético de determinação do sexo
feminino nessa espécie (ZZ/ZW), pouca diferenciação entre os cromossomos
sexuais (suportado por análise genética) e, considerando esse último
ponto, indivíduos WW viáveis.
- Em 2020, no periódico Russian Journal of Herpetology (Ref.23), foi reportado um evento de partenogênese em uma cobra fêmea da espécie Nerodia rhombifer.
- Em 2020 foi reportado dois eventos registrados de partenogênese em uma Boa-Cubana (cobra da espécie Chilabothrus angulifer) isolada por 11 anos no Zoológico da Maia, Portugal (Ref.24). Cada evento gerou um único filhote junto com vários ovos sem desenvolvimento, mas ambos nasceram mortos.
- Em 2020, no periódico Zoological Science (Ref.25), foi reportado eventos de partenogênese em três espécies de cobras do gênero Bothrops (B. atrox, B. moojeni e B. leucurus) mantidas isoladas em cativeiro por 7-9 anos.
- No periódico Scientific Reports (Ref.26), foi reportado (2021) um evento de partenogênese em uma cobra-rei (Ophiophagus hannah)
fêmea. O espécime havia sido originalmente importado para a Alemanha da
Sumatra, em setembro de 2012, com 70 cm de comprimento; mantida
isolada, em 3 de agosto, com 2 metros de comprimento, depositou 24 ovos,
dois deles viáveis. Foram gerados dois filhote machos com significativa
diversidade genética após incubação artificial, os quais acabaram
morrendo alguns dias depois. O estudo trouxe nova evidência rejeitando
duplicação gamética e suportando fusão terminal como o mecanismo
permitindo reprodução partenogenética (partenogênese facultativa) em
cobras.
- No periódico Scientific Reports (Ref.27),
foi reportado (2021), após procedimento de inseminação artificial (n =
19), uma mistura de eventos partenogenéticos e de reprodução sexuada em
duas fêmeas de tubarão da espécie Chiloscyllium plagiosum, sugerindo uma alta prevalência de partenogênese nessa espécie.
- Em 2021, no periódico Journal of Heredity (Ref.31), cientistas do Zoológico San Diego reportaram que dois filhotes de Condor-Americano (Gymnogyps californianus)
nasceram em 2001 e em 2009 sem a contribuição genética de machos, algo
antes nunca registrado para essa espécie (um abutre do Novo Mundo,
pertencente à ordem Cathartiformes). Os dois indivíduos foram
produzidos por duas diferentes fêmeas e o mais surpreendente: eram
mantidas em cativeiro em contato direto com machos férteis, como parte
de um programa de recuperação da espécie, a qual está em crítico estado
de conservação (restam cerca de 500 indivíduos no sudoeste dos EUA e no
México; na década de 1980, antes dos esforços de conservação, pouco mais
de 20 existiam no meio selvagem). Investigação genômica (em
microssatélites do DNA) dos dois filhotes mostrou que todos os loci
(locais genômicos) analisados eram homozigotos; ambos os filhotes eram
do sexo masculino, como esperado de uma partenogênese facultativa, já
que, nas aves, a fêmea é heterozigótica (ZW) e o macho é monozigótico
(ZZ). Infelizmente, ambos os filhotes morreram, um com 2 anos de idade e
o outro com 7 anos.
Esses reportes cada vez mais frequentes de partenogênese
facultativa em diferentes clados de vertebrados - especialmente entre
peixes e répteis - reforçam a ideia que a partenogênese é muito mais
comum nesse grupo de animais do que antes pensado, e pode ter um
significativo papel na evolução dos vertebrados.
Porém, quando vamos para ordens relativamente mais complexas a
situação se complica, tornando-se praticamente impossível nos mamíferos a
ocorrência de efetiva partenogênese de forma natural. Nas aves, as
taxas de abortos gerados nesse processo reprodutivo são muito altas e
acredita-se que os espécimes gerados dessa maneira possuem uma
capacidade reprodutiva prejudicada e anormalidades anatômicas e
fisiológicas, com exceções notáveis entre os perus (Meleagris) e galinhas (Gallus gallus domesticus).
Nos mamíferos, incluindo os humanos, existe uma barreira, a princípio, impossível de ser quebrada naturalmente: a especialização funcional assimétrica nos genomas maternos e paternos, gerando marcadores genômicos específicos em cada tipo de gameta sexual (masculino e feminino). Nesse sentido, a ausência do genoma paterno leva a uma regulação anormal de diferenciação e proliferação principalmente em linhagens extra-embriônicas, resultando em um fraco suporte para o desenvolvimento embriônico. A contribuição separada dos alelos de alguns genes adquiridos do material genético feminino e do masculino agem via mecanismos epigenéticos (1) que seletivamente silenciam ou promovem a expressão genética, precisando ambos estarem atuando juntos para a normalidade regulatória. Essa característica é chamada de 'genetic imprinting'.
Nos mamíferos, incluindo os humanos, existe uma barreira, a princípio, impossível de ser quebrada naturalmente: a especialização funcional assimétrica nos genomas maternos e paternos, gerando marcadores genômicos específicos em cada tipo de gameta sexual (masculino e feminino). Nesse sentido, a ausência do genoma paterno leva a uma regulação anormal de diferenciação e proliferação principalmente em linhagens extra-embriônicas, resultando em um fraco suporte para o desenvolvimento embriônico. A contribuição separada dos alelos de alguns genes adquiridos do material genético feminino e do masculino agem via mecanismos epigenéticos (1) que seletivamente silenciam ou promovem a expressão genética, precisando ambos estarem atuando juntos para a normalidade regulatória. Essa característica é chamada de 'genetic imprinting'.
- (2) Para mais informações sobre mecanismos epigenéticos (responsáveis por ligar ou desligar genes), acesse: Epigenética, Plasticidade Fenotípica e Evolução Biológica
Várias regiões metiladas (radical metila como marcador epigenético) do controle de imprinting já foram identificadas no DNA materno e paterno de mamíferos, particularmente os genes H19, Gtl2, Igf2r, Snrpn, Kcnq1ot1, Nespas e Peg10, essenciais na regulação do crescimento e desenvolvimento embriônico, fetal e pós-natal.
Desde a década de 1990 (Ref.14), os pesquisadores vêm tentando induzir artificialmente uma partenogênese em mamíferos, a partir da manipulação genética e epigenética de óvulos e espermatozoides, e vários métodos têm sido propostos e testados (Ref.18). Até pouco tempo atrás, os únicos avanços tinham sido uma variedade de embriões partenogenéticos implantados no útero de ratos, ovelhas, vacas, porcos, coelhos e primatas que não conseguiam prosseguir mais do que alguns dias de desenvolvimento, na maioria dos casos não ultrapassando a fase de implantação. Em 2018, cientistas Chineses conseguiram gerar ratos fêmeas saudáveis a partir da fusão de dois óvulos (2). E, mais recentemente, através de manipulação epigenética, pesquisadores finalmente conseguiram induzir artificialmente efetiva partenogênese em ratos.
- (2) Esse avanço pode, futuramente, possibilitar a geração de um filho a partir de um casal humano homossexual, por exemplo. Para mais informações, acesse: Cientistas conseguem gerar ratos saudáveis a partir de pais do mesmo sexo
No caso, em um estudo publicado no periódico PNAS (Ref.32),
cientistas Chineses conseguiram obter filhotes de ratos gerados por
partenogênese após editar marcadores de metilação em sete regiões
genômicas associadas ao controle de imprinting em oócitos
não-fertilizados. Essa edição foi possível através da co-injeção de
enzima cataliticamente inativa Cas9 (dCas9)-Dnmt3a ou RNA mensageiro
(mRNA) dCpf1-Tet1 com RNAs de orientação única (sgRNAs) visando regiões e
alelos específicos para metilação de novo (introdução de metila)
ou desmetilação (remoção de metila), respectivamente. Essas
modificações epigenéticas permaneceram após a ativação partenogênica
durante o desenvolvimento (multiplicação celular) pré-implantação,
resultando em embriões viáveis que, após a implantação, foram capazes de
produzir fetos viáveis, e um que persistiu até a fase adulta.
Entre centenas de embriões gerados in vitro
a partir de oócitos epigeneticamente modificados, 192 que chegaram no
estágio de blastócito foram transferidos para 14 ratos fêmeas. Um total
de 3 filhotes foram recuperados vivos: 2 morreram dentro de 24 horas (e
com baixo peso no nascimento) e 1 conseguiu sobreviver até a fase
adulta, saudável desde o nascimento e fértil (foto acima). Investigação
das células coletadas da cauda desse rato partenogênico mostraram que
todas as modificações epigenéticas persistiram no genoma adulto,
enquanto nos dois que morreram pelo menos uma das regiões modificadas
exibiram perda de metilação. Isso confirmou que todas as sete regiões
alvos precisam estar corretamente metiladas para o desenvolvimento
saudável do feto e sobrevivência após o parto. O avanço abre muitas oportunidades para novos avanços na agricultura, na medicina e na biologia.
De qualquer forma, respondendo à pergunta implícita no primeiro parágrafo deste artigo, a possibilidade científica de uma Virgem Maria Mãe de Jesus é mais do que remota, tanto devido à barreira natural imposta pelo genetic imprinting quanto pela impossibilidade de uma fêmea humana gerar um descendente do sexo masculino via partenogênese, já que o material genético da mulher não carrega o cromossomo sexual Y. Nesse sentido, mesmo se fosse possível algum tipo de mecanismo partenogenético - via duplicação ou fusão entre óvulos - dentro do sistema reprodutivo de uma humana [!], a única possibilidade final é o XX (aqui estamos falando de sexo biológico normal, não gênero).
[!] HIPÓTESE DO HOMÚNCULO
Apesar de existir o genetic imprinting,
notavelmente não é rara uma ativação partenogenética espontânea de
oócitos humanos - e de outros mamíferos -, porém acaba eventualmente
resultando em teratoma ovariano (!), um tumor quase sempre
benigno reportado desde pelo menos o século XIX. Esses eventos
partenogenéticos - envolvendo proliferação de células-tronco
germinativas - geralmente resultam em estruturas anatomicamente
desorganizadas com tecido adiposo, cabelo e dente. Porém, alguns
teratomas podem alcançar alta ordem de organização, incluindo a presença
de um plano corporal (não-funcional), com uma cabeça imperfeita,
membros com pés e dedos, cerebelo, e outras estruturas. Essas estruturas
altamente organizadas e diferenciadas são chamadas de teratoma
fetiforme, ou homúnculo (homunculus, Latim para "pequeno homem").
- (!) Leitura recomendada: O que é um teratoma cístico no ovário?
Em 1995, pesquisadores reportaram um extraordinário caso de
evento partenogenético quimérico em uma mulher grávida resultando em um
indivíduo do sexo masculino viável. No caso, o bebê resultante tinha
duas linhagens celulares no seu corpo. A primeira foi derivada de uma
fertilização normal (espermatozoide haploide e oócito haploide) e a
segunda derivada de um processo partenogenético: ativação espontânea de
um oócito, o qual duplicou seu material genético. A célula
partenogenética se fundiu ao embrião normal (resultando na quimera,
composta de células derivadas de diferentes embriões) e usou esse último
como uma "escada biológica saudável" (ou hospedeiro) para se proliferar
e se estabelecer. A linhagem celular partenogenética ocupou pelo menos
um nicho biológico do feto hospedeiro: o tecido sanguíneo.
Considerando esse último caso e dezenas de outros casos já
descritos na literatura acadêmica de teratomas ovarianos, pesquisadores
da Universidade de São Paulo (USP) propuseram em um estudo publicado em
2017 no periódico Medical Hyphothesis (Ref.28) que os
homúnculos seriam exemplos de 'formas de vida partenogenéticas lutando
para se desenvolveram em corpos completos funcionais', e que certas
mutações genéticas podem talvez possibilitar ou já terem possibilitado
esse cenário em humanos e outros mamíferos.
Manipulação genética e epigenética em ratos e outros mamíferos - incluindo deleção (13 kb) no gene associado ao genetic imprinting (H19)
- já demonstrou a possibilidade de indução artificial de partenogênese,
incluindo o desenvolvimento de ratos saudáveis e férteis em
experimentos mais recentes.
Seguindo
esse caminho, os pesquisadores da USP sugeriram que raros casos naturais
de partenogênese humana resultando em indivíduos viáveis e clinicamente
normais ocorrem e passam despercebidos devido à ausência de qualquer
anormalidade. Esses indivíduos seriam gerados como resultado de três
eventos sequenciais: (i) ultrapassagem da barreira de imprinting,
(ii) manutenção de genoma diploide e heterozigótico, e (iii) progressão
mitótica do oócito diploide ("zigoto"), via ativação partenogenética.
Vários mecanismos naturais poderiam promover os três eventos:
- Em (i), mutações de deleção nos genes ligados ao processo de genetic imprinting, como a unidade de transcrição H19 e a região diferencialmente metilada (DMR).
- Em (ii), uma mutação no gene humano funcionalmente análogo ao gene DYAD
nas plantas, um regulador da organização meiótica do cromossomo. Pode
também ocorrer uma interferência causada por um endossimbionte
intracelular, com bactérias do gênero Wolbachia, cujas atividades
resultam em fêmeas diploides totalmente heterozigóticas em cupins e
infecções partenogênicas em outros invertebrados. Recentemente, em dois
arquipélagos na África (Açores e Mascarena), pesquisadores encontraram
que as populações de joaninhas da espécie Nephus voeltzkowi eram
constituídas apenas de indivíduos fêmeas, todos gerados por
partenogênese. E o mais interessante: todos os indivíduos gerados por
partenogênese estavam infectados pela Wolbachia, enquanto indivíduos gerados por reprodução sexuada em outras regiões não mostraram estar infectados por essa bactéria (Ref.29). Cientistas inclusive sugerem um possível evento evolutivo de emergência de reprodução assexuada ocorrendo nessa espécie.
- Em
(iii), a ativação partenogenética já é extensivamente observada em
humanos, a partir de células germinativas primordiais. Mutações em genes
proto-oncogênicos podem disparar o mesmo processo em oócitos diploides e
heterozigotos.
Apesar dos cenários acima descritos poderem resultar em outros
obstáculos, potencialmente demandando mutações adicionais para
driblá-los, processos multi-mutacionais são realísticos, como
exemplificado pelo câncer, o qual é resultado de um grande conjunto de
mutações, passa por processos evolutivos intra-indivíduo e é frequente
na espécie humana.
A Hipótese do
Homúnculo pode ser testada com a avaliação genética de toda gravidez
reportada ter ocorrido sem relação sexual prévia - algo que pode ser
muito limitante - ou futuramente, quando o sequenciamento genômico
inteiro se tornar uma realidade como prática rotineira em todos os
recém-nascidos (>130 milhões/ano hoje).
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- http://www.ansci.wisc.edu/jjp1/ansci_repro/misc/project_websites_08/tues/Komodo%20Dragons/what.htm
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